3 Contos de Natal
Razão
de o Pai Natal ter Barbas Brancas,
de Jorge de Sena
O Autor
Jorge
de Sena nasceu em Lisboa, a 2 de
novembro de 1919. Foi ensaísta, dramaturgo, contista, crítico e historiador da
cultura e professor universitário no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo o
próprio, a sua poesia representa «(…) um desejo de exprimir o que entende ser a
dignidade humana – uma fidelidade integral à responsabilidade de estarmos no
mundo».
As primeiras linhas
Como toda
a gente sabe, e os meninos melhor que ninguém, o Natal é uma coisa muito velha. O que nem toda a
gente sabe é que, no princípio, ele não era pai; nem era velho, e não tinha,
portanto, barbas brancas. Assim, quando o menino Jesus nasceu, já todos os
meninos punham o sapato na chaminé.
A única diferença era que a
chaminé não tinha, como hoje, fogão de gás ou fogareiro. Depois, com o menino
Jesus, veio outra diferença: também ele punha o sapatinho, que, por acaso, era
uma sandália.
Isso durou pouco? Não,
porque o menino Jesus só cresce e se faz homem quando os outros meninos crescem
e julgam que se fazem homens. O que, e lá isso é verdade, não acontece a toda a
gente, como os meninos terão muito tempo para ver. Mas isso é já outra
história, que os meninos aprenderão, sem que ninguém lha conte. (…)
A
Noite de Natal, de Nicolau Gogol
Nicolau Gogol nasceu a 20 de março de 1809 na Ucrânia e partiu ainda jovem
para Petersburgo. Passou grande parte da sua vida em viagens pela Rússia e pelo
estrangeiro. É considerado um dos maiores escritores de prosa da literatura
russa moderna. Duas das suas obras mais conhecidas são O Nariz e Avenida Névski.
As primeiras linhas
Era a noite da véspera de Natal. Descia
sobre a terra uma límpida noite de Inverno. Despontavam as estrelas e a Lua,
esplendorosa, subia no céu para iluminar as pessoas de bem e o universo inteiro,
e para que todos pudessem cantar as loas de Natal, debaixo das janelas, em
louvor de Jesus. O frio era mais intenso do que a manhã e o silêncio era tal
que se podia ouvir a grande distância o ranger da neve sob as botas dos
caminhantes. Ainda nenhum grupo de cantores aparecera sob as janelas, só a Lua espreitava,
sorrateira, para o interior das habitações, como que a chamar as raparigas que
demoravam a enfeitar-se, a desafiá-las para que saíssem depressa de casa e
fossem passear sobre a neve estaladiça. Foi então que rolos de fumo surgiram
repentinamente da chaminé de uma casa e se espalharam pelo céu, formando uma
nuvem, e, juntamente com o fumo, apareceu também uma bruxa que se elevou nos
ares montada na sua vassoura. (…)
Natal, de Miguel Torga
O Autor
Miguel Torga nasceu a 12 de Agosto de 1907, em Trás-os-Montes e é considerado
um dos maiores escritores portugueses contemporâneos.
O Livro do Mês de Outubro do Cantinho das Letras foi dedicado à obra
Novos Contos da Montanha de Miguel
Torga, de onde foi retirado este conto. .
As primeiras linhas
De sacola e
bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis por se
aproximar da terra. A necessidade levara-o longe de mais. Pedir é um triste
ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o
favoreça, hoje não pode ser – e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma
pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à
caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma
côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer
porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas
acções é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o
sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo
por muito largo conseguia viver. (…)
Fonte: Duas Histórias de Natal Fantásticas (Lisboa Editora) e Novos Contos da Montanha (Biis)
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