1. O Bom Soldado, Švejkde Jaroslav Hašek
Este romance, como Jaroslav Hašek o pôde escrever
entre 1921 e 1922, é a grande comédia do nacionalismo moderno e do seu
belicismo inato: a catástrofe da Primeira Guerra Mundial vivida por Švejk - um
"idiota oficial" que parece derivado (via popular) do famoso Cândido,
de Voltaire. Mesmo atirado para a prisão, com brutalidade e sem motivo, comenta:
"Isto aqui não é assim tão mau. Esta tarimba é de madeira afagada."
Ao pé das arbitrariedades atravessadas pelo subalterno Švejk, a ideia do estado
de excepção, que Agamben anda a vender há anos, mal chega para assustar
crianças. O riso constante nunca tapa a tragédia vigente e declara a cada passo
que ela é de facto ridícula e, afinal, estúpida e rasteira. O seu único símbolo
é este "herói aleijado", contemporâneo dos K. e dos Samsa mas em cuja
língua (checa e alemã) se pode escrever "Para a guerra nós não vamos, para
ela nós cagamos." Agora, que recai "sobre a Europa a verdade de que o
amanhã desfaz os planos do presente", este Švejk, cujo tradutor pôs no
topo da colecção humorística de Ricardo Araújo Pereira, é vital para a nossa
paz de europeus sem ilusões. G.R.
2. Já Então a Raposa Era o Caçador, Herta Müller
Nesta alegoria trágica são silenciosas as ruas do poder. Há sombras amargas na noite daquela cidade insana. Como uma presença maligna e demente, o medo atravessa os dias, entranha-se, faz-se de morto. Uma realidade que a escrita de Müller acorda e estilhaça. As palavras adensam-se, já só há linguagem simbólica, magma onírico. Entre o silêncio e a escrita. J.R.D.
3. A Piada Infinita, David Foster Wallace
Foster Wallace desejou construir, à semelhança de
Shakespeare - a quem roubou o título, a partir de uma fala de Hamlet sobre
Yorick, o bobo que dizia verdades inomináveis - uma cosmogonia delirante e tão complexa
como o mundo. Terá morrido ao tentá-lo, mas o resultado reflecte bem a sua
ousadia. H.V.
4. Arco-Íris da
Gravidade, Thomas
Pynchon
Em tempo de caudalosos rios de informação e de
calhamaços leves, 39 anos depois de publicado originalmente, este livro chega a
Portugal ainda com fôlego para nadar contracorrente nesses rápidos binários que
nos encandeiam e desafiar os nossos limites como leitores. Ninguém sai da
experiência incólume, que para isso está a grande literatura. A.R.
5. Contos
Completos, Lydia
Davis
A ausência de enredo que caracteriza os contos
breves de Lydia Davis mais não é do que uma maneira hábil de esconder a
desolação metafísica em que as personagens se debatem. Com uma escrita lúcida,
concisa e original, e num tom que é uma máscara para o reconhecimento da
impossibilidade da felicidade, Davis consegue contornar as expectativas
imediatas dos leitores. J.R.D.
6. Mel, Ian McEwan
Uma extraordinária capacidade narrativa, a criação
de uma personagem feminina credível, a reconstituição de uma época (anos 1970)
feita de medo, desconfiança, logro e traição. Um romance histórico, um
thriller, uma reflexão sobre o Zeitgeist em que o autor questiona continuamente
as ingerências da realidade na ficção e vice-versa. H.V.
7. Todas as Palavras, Manuel António Pina
O caminho foi sempre o da procura da palavra. A
certa. Desde 1974, quando começou a publicar poesia com um título cujas
palavras, no momento desta escrita, são só sentido, como ele queria: Ainda Não
É o Princípio Nem o Fim do Mundo Calma É Apenas um Pouco Tarde. Manuel António
Pina morreu em Outubro deste ano e deixou Todas as Palavras, a antologia
poética. Uma casa. I.L.
8. Um Sopro
de Vida (Pulsações), Clarice
Lispector
Clarice Lispector escreve como ninguém. É uma clave
verbal diferente - desde o primeiro livro até este, o último, editado já depois
da sua morte em 1977, e escrito e/ou ditado à sua grande amiga, Olga Borelli
(em parte no hospital, até ao dia antes de morrer). Este livro, e Clarice sabia
que estava a morrer, densifica e depura, intensificando pungente e
dramaticamente os traços da escritora. De uma beleza lancinante. M.C.C.
9. Os
Transparentes, Ondjaki
Um prédio de águas rejuvenescedoras na Luanda
perdida pelo dinheiro, acossada pela ambliopia, condenada ao fogo pela
ganância, onde transparência e leveza servem o paradoxo de emprestar
visibilidade a quem até aí nem se via. A maturidade com que Ondjaki trabalha o
português angolano é digna dos melhores ourives da língua. A.R.
10. (ex-aequo) Os Enamoramentos , Javier Marías
Ao 13.º romance, o catalão Javier Marías volta com
a voz de uma mulher, María Dolz, para falar de amor. Funcionária de uma
editora, este primeiro "eu" feminino de Marías entretém-se a observar
a felicidade de um casal enquanto toma o pequeno-almoço no sítio de sempre. Com
este livro, Marías quebrou a promessa de abandonar a literatura. Não precisa de
se redimir. I.L.
10. (ex-aequo) Poesia Reunida, Maria do Rosário
Pedreira, Quetzal
Maria do Rosário Pedreira era, até Poesia Reunida
sair este ano na Quetzal, daqueles poetas que têm uma legião de fãs mas toda a
obra esgotada. Só por isso, este livro já era imprescindível. Mas além de A
Casa e o Cheiro dos Livros (1996), O Canto do Vento nos Ciprestes (2001) e
Nenhum Nome Depois (2004), Poesia Reunida traz um livro inédito, A Ideia do
Fim. Mesmo perante o fim, há ressurreição nesta nova fase - mas sem se perder o
medo. I.C.
Escolhas de António
Rodrigues, Diogo Ramada Curto, Gustavo Rubim, Helena Vasconcelos, Isabel
Coutinho, Isabel Lucas, José Riço Direitinho, Luís Miguel Queirós, Maria
Conceição Caleiro e Rui Lagartinho (da lista completa)
(Textos retirados de http://www.publico.pt/cultura/noticia/os-melhores-livros-de-2012-para-o-ipsilon-1578633)
Vem descobrir alguns destes livros na nossa Biblioteca.
Boas leituras!