Livro do Mês

Um Homem não chora, de Luís de Sttau Monteiro
(Lisboa, 03-04-1926 – Lisboa, 23-07-1993)
Luís de Sttau Monteiro exercitou vários géneros literários, como o jornalismo, a ficção (as suas primeiras publicações foram romances) e a escrita dramática, mas foi sobretudo por esta última que cedo atraiu a atenção do público e da crítica. A sua peça de estreia -Felizmente há luar, em 1961 - foi de imediato proibida de ser levada à cena. Tendo vivido em Londres durante a Segunda Guerra Mundial, por razões familiares, adaptou-se mal à intransigência da ditadura salazarista, destacando-se pelo tom irreverente das suas obras. A perseguição pela PIDE e a censura de que os seus textos foram alvo – Felizmente há luar! (1961) esteve catorze anos impedida de subir à cena, o que só foi possível após a queda do regime – provam o caráter interventivo da sua escrita e a sua estreita ligação com a realidade portuguesa da época.
(…)
Em 1960 iniciou-se na escrita de novelas com Um homem não chora, e em 1961 prosseguiu com Angústia para o jantar, ganhando notoriedade na escrita narrativa. Mas foi pelo teatro que concitou as maiores atenções. Em 1961 publicou Felizmente há luar!, drama narrativo histórico baseado na figura de Gomes Freire de Andrade, situado na linha do teatro épico. Esta peça foi distinguida, em 1962, com o Grande Prémio de Teatro da então Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, mas a sua representação foi proibida pela censura, só subindo ao palco em 1975. Com este texto, Sttau Monteiro iniciou uma temática que prosseguiu nas obras seguintes: a defesa do Homem, da liberdade, a luta pela justiça social e a denúncia política. Aquando da publicação da peça, Sttau Monteiro encontrava-se na prisão por suspeita de ter colaborado na “intentona de Beja” (1962).
Esta experiência traumática levou-o a sair de Portugal, indo uma vez mais para Inglaterra (onde permaneceu de 1962 a 1967), continuando, porém, a escrever para teatro com originais e adaptações: Todos os anos pela Primavera, em 1963; O Barão (adaptação do romance de Branquinho da Fonseca), em 1965; Auto da Barca do motor fora da borda (adaptação do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente), em 1966. Foi preso pela PIDE em 1967, após a publicação das peças satíricas A Guerra santa e A estátua, onde teceu duras críticas à ditadura e à guerra colonial. A experiência de dois meses de prisão levou-o a escrever em 1968 a peça As mãos de Abraão Zacut, cuja ação se situa num campo de concentração. Foi representada pela primeira vez em 1969, pelo Teatro Estúdio de Lisboa, com encenação de Luzia Maria Martins. (…)


As primeiras linhas...

Procuro com a mão o despertador que está a tocar há mais de meio minuto. Encontro-o entre um livro e o copo de água que me colocam todas as noites sobre a mesinha de cabeceira. Carrego num botão e o silêncio volta a entrar no meu quarto. Sei que já não posso readormecer. O meu despertador toca invariavelmente às oito da manhã, todos os dias, faça sol ou faça chuva.  

É uma das invariáveis da minha vida, tão invariável como o amor da Fernanda, como os jantares de família nos dias santos, como o som do piano da vizinha aos Domingos.

Não há nada a fazer. Atiro com a roupa ao chão e procuro, com o pé, o chinelo que deve estar algures ao lado da cama.


Sem comentários:

Enviar um comentário